As Sociedades
As sociedades humanas não são homogêneas.
Há que se observar que em
culturas diversas, em tempos diferentes, em eras remotas e principalmente em
tempos presentes houve divisões, superdivisões e subdivisões sociais, algumas
consideradas naturais, outras acidentais, outras geográficas, outras culturais,
outras étnicas, outras religiosas, outras econômicas, outras de gênero, outras
etárias, outras sanitárias, outras linguísticas e assim forçosamente admite-se
que não é tarefa fácil pensar em uma sociedade humana onde não existam
divisões, facções, castas, classes sociais e estamentos.
Sectarismo
no Mundo
O sectarismo
pode ser visto convenientemente, por uma mente politizada, como uma das muitas
metamorfoses do epifenômeno do poder.
Poderia
parafrasear Jean Jacques Rousseau e a sua teoria da misantropia social. Porém,
não é preciso dispor desta muleta antropológica, pois que a competição entre os
indivíduos, institucionalizada ou não, como nos nacionalismos, por exemplo, é
preexistente à sociedade.
Assim temos
imanentemente uma sociedade clivada entre grupos, classes, castas, e
comunidades dividida pelos mais diversos e estranhos critérios.
Estes
critérios fazem parte de qualquer projeto de pesquisa
sócio-etário-sexual-étnico-escolar-local de uma bem estruturada metodologia de
pesquisa social humana.
Qualquer
pesquisador consciente e metódico quer saber a que categoria analítica pertencem
os indivíduos formadores de um grupo cujo comportamento se quer analisar ou
avaliar.
A divisão do
trabalho social, que precedeu a civilização humana, obedece as regras tradicionais
de separação das atribuições, privilégios e deveres principalmente obedecendo
aos critérios: etário, de tradição, de herança, de riqueza, de gênero e de
experiência.
As divisões
típicas definidas e utilizadas em uma análise de estratificação de categorias
analíticas estatísticas em qualquer projeto de pesquisa geralmente recaem
nos seguintes âmbitos:
a) Idade;
b) Sexo;
c) Escolaridade;
d) Local de habitação;
e) Profissão;
f) Preferências:
·
f.1) Política;
·
f.2) Esporte;
·
f.3) Laser;
·
f.4) Cultura:
·
o f.4.I) Musical;
o f.4.II) Literatura;
o f.4.III) Artes pictóricas e imagéticas.
g) Estado civil;
h) Opção sexual;
i) Etnia;
j) Renda, patrimônio, riqueza;
k) Religião;
l) Naturalidade;
m) Nacionalidade;
n) Tipo físico:
·
n.1)
Alto / baixo;
·
n.2)
Gordo / magro;
·
n.3)
Feio / bonito
Hipótese:
“O
sectarismo aceptivo exclusivamente excludente, ou, exclusivamente includente,
não-institucionalizados constituem o que se quer caracterizar e denominar com o
constructo teórico do preconceito da separação social em camadas.”
A disputa
pelo poder subentende o processo da competição por privilégios na sociedade. Da
divisão do trabalho social distribuem-se as obrigações e deveres, juntamente
com os privilégios que constroem a categoria da hierarquia social,
institucionalizada ou não.
Quais
elementos e de que maneira estes elementos tão abstratos conseguem fornecer a
coesão social ou conseguem produzir a apartação social poderosas capazes de
enrijecer o tecido social a ponto de tornarem concretas e estanques as
interações sociais mais elementares?
Sectarismo
Organizado
Quando a
hierarquia social se apresenta de modo organizada, institucionalizada e orgânica,
esta hierarquia social vem apoiada e justificada através de uma ideologia, arribada
em constructos teóricos científicos, alicerçada pela tradição, instituindo uma
ordem hierárquica social determinada que caracteriza o comportamento
social dos grupos e divisões na sociedade.
Sectarismo não-organizado
No sectarismo
não organizado, ou seja, não institucionalizado com regras perceptíveis e
coercitivas, observamos o fenômeno do preconceito. Então, o que caracteriza e
distingue o preconceito de outras formas do sectarismo é o grau de institucionalização
do sectarismo na sociedade.
Assim,
deixam de ser caracterizados como preconceitos os sectarismos
institucionalizados, tais como:
a) O Nazismo;
b) O Sionismo;
c) O sistema de castas;
d) O Apartheid;
e) Comunidades Quilombolas;
f) Comunidades Indígenas;
g) Sistemas de Cotas Raciais;
h) Sistemas de Cotas Gerais.
i) Socialismo
j) Sistemas de estamentos
k) Sistemas de classes sociais
m) O Capitalismo
n) O Comunismo
A
disputa pelo poder tem sido a principal questão e pólo orientador dos
sectarismos nas sociedades: grupos, classes, castas, comunidades, etnias,
nações. A sinestesia desta disputa originou os preconceitos.
O
preconceito consiste no sentimento de inferiorização e do complexo de
desvantagens referente às regras de relacionamento, direitos e obrigações na
estrutura social entre os membros. O preconceito não se dirige à pessoa (indivíduo), e sim ao (sujeito coletivo) grupo, categoria ou camada social.
Estamentos
Constitui uma forma de estratificação social com camadas mais fechadas do que classes sociais, e mais
abertas do que as castas, ou seja, possui maior mobilidade social que no
sistema de castas, e menor mobilidade social do que no sistema de classes
sociais. É um tipo de estratificação ainda presente em algumas sociedades.
Nessas sociedades, do presente ou do passado, o indivíduo desde o nascimento
está obrigado a seguir um estilo de vida predeterminado, reconhecido por lei e
geralmente ligado ao conceito de honra, embora exista alguma mobilidade social.
Historicamente, os estamentos caracterizaram a sociedade feudal durante a Idade Média.
Na obra de Max Weber, o conceito de estamento é ampliado. Passa a significar
não propriamente um corpo homogêneo estratificado, mas sim certa teia de
relacionamentos que constitui um determinado poder e influi em determinado campo
de atividade.
Podemos afirmar que, no estamento, cada estrato deve
obedecer a leis diferenciadas. Por exemplo, na sociedade
feudal os direitos e deveres de um nobre eram diferentes dos direitos e deveres de um servo. E, embora a lei não preveja a mudança de status social, ela também não a torna impossível, como na casta. Por
exemplo, um servo pode se tornar um pequeno comerciante ou um membro do clero.
Isso dá ao sistema de estamentos uma mobilidade social maior do que nas castas,
mas não tão alta quanto nas classes
sociais, onde todos, em teoria, são iguais
perante a lei.
O sistema de castas
As
sociedades organizadas em castas
O
sistema de castas foi observado na Grécia antiga e na China, mas a Índia foi
onde esse sistema se expressou de forma mais completa.
A
sociedade indiana começou a se organizar em castas e subcastas há mais de três
mil anos, adotando uma hierarquização baseada na religião, etnia, cor,
hereditariedade e ocupação. Todos esses fatores são levados em consideração
para definir as castas.
Esses
elementos definem a organização do poder político e a distribuição da riqueza
gerada pela sociedade.
Esse
sistema foi abolido oficialmente em 1950, mas sobrevive pela força da tradição.
Na medida em que o capitalismo avança na índia, espera-se que o sistema de
castas se misture ao sistema de classes sociais econômicas e vá se
desintegrando aos poucos.
O sistema de castas da Índia é uma
divisão social importante na sociedade Hindu, não apenas na Índia,
mas no Nepal
e em outros países e populações de religião Hindu. Embora geralmente
identificado com o hinduísmo, o sistema de castas também foi observado entre
seguidores de outras religiões no subcontinente indiano, incluindo alguns
grupos de muçulmanos e cristãos.
A
Constituição Indiana rejeita a discriminação com base na casta, em consonância com
os princípios democráticos e seculares capitalistas liberais ocidentais que
fundaram a nação indiana contemporânea pós-colonial.
Barreiras de
casta deixaram de existir rigidamente e conspicuamente nas grandes cidades, mas
persistem principalmente na zona rural do país e entre famílias conservadoras.
Castas e divisões na Índia
Define-se casta como grupo social hereditário, no
qual a condição do indivíduo passa de pai para filho. O grupo é endógamo,
isto é, cada integrante só pode casar-se com pessoas do seu próprio grupo.
- os brâmanes (sacerdotes e letrados) nasceram da cabeça de Brahma;
- os xátrias (guerreiros) nasceram dos braços de Brahma);
- os vaixás (comerciantes) nasceram das pernas de Brahma) ;
- os sudras (servos: camponeses, artesãos e operários) nasceram dos
pés de Brahma.
À margem dessa estrutura social havia os cordeiros, que vieram da poeira debaixo do pé de Brahma. Mais conhecidos como párias, sem casta, eram considerados os mais atraídos por todas as castas. Hoje são chamados de haridchens, haryens , dalit , ou intocáveis. Com o passar do tempo, ocorreram centenas de subdivisões, que não param de se multiplicar.
§ Brahmin: os brahmin representam o topo da
pirâmide social indiana. Eles representam apenas 15% da população e são
extremamente respeitados. São filósofos, sacerdotes e professores.
§ Kshatriya: são como subordinados dos
brahmin. Suas funções estão ligadas diretamente aos meios políticos e
militares, também são respeitados por classes mais baixas.
§ Vaishas: as funções dos vaishas se
restringem à agricultura e o comércio, portanto, é uma casta extremamente
importante.
§ Shudras: assim como os vaishas, não
é uma casta que está no topo, mas é essencial. Composta por operários, artesãos
e camponeses. Conquistaram a permissão para conhecer os ensinamentos hindus há pouco tempo.
§ Dalit: os dalits não fazem parte das
castas oficiais, são mais como uma clandestina. São considerados dalits todos
aqueles que violaram o sistema de castas, que “pagam” o preço desta violação
com trabalhos em esgotos, lixo e manejo de mortos. Uma pessoa rebaixada a dalit
leva consigo todos os seus descendentes. É considerada a classe mais
injustiçada da Índia.
§ Jatis: são as pessoas que não se
enquadram em nenhuma das castas já citadas antes. Um jati geralmente exerce a
função herdada de seus progenitores, que nunca é uma profissão de destaque, por
exemplo. Mas assim como os dalits, não fazem parte do regime de castas
“oficial”.
A origem do sistema de castas
é certa. Segundo o hinduísmo, vem de Brahma, a
divindade criadora do universo, mas parece ser proveniente da divisão entre os
migrantes arianos
- subgrupo dos indo-europeus que povoou a Península da Índia por volta de 1600 a.C.,
vindo do norte, pelo Punjabe - e os nativos (dasya), que se tornaram
escravos. As primeiras referências históricas sobre a existência de castas se
encontram em um livro sagrado dos indianos, o Manue, possivelmente escrito entre 800 a.C.
e 250 a.C..
Apesar
do sistema de castas ter sido rejeitado pela Constituição Indiana de 1950 (devido à pressão de
políticos ocidentalizados), ele continua a fazer parte da cultura
da Índia moderna. Actualmente, no hinduísmo,
existem mais de 3.000 sub-castas não-oficiais.
Há
pensadores, como o indologista Alain Daniélou, que
consideram o sistema das castas como social e culturalmente válido e
justificável no contexto indiano, uma forma muito eficaz de preservar certas
subculturas e certas profissões transmitidas geracionalmente, sendo as recentes
tentativas de o destruir um verdadeiro caso de etnocentrismo,
um genocídio
cultural da sociedade
indiana, levado a cabo pelas potências ocidentais neocolonialistas.
Fora do sistema das castas,
também existem os Adivasis (povos tribais) e os Mechhas
(estrangeiros).
Inicialmente, as castas teriam surgido ligadas aos guna predominantes nos indivíduos. Assim, aqueles em que sattva predomina são inclinados às actividades espirituais, à filosofia, à literatura, às artes, às ciências e ao conhecimento — sacerdotes, yogis, mestres espirituais (gurus), eremitas, filósofos, astrólogos, cientistas, escritores, historiadores, artistas e poetas (brâmanes).
Rajas inclina
naturalmente a actividades enérgicas, agressivas, à conquista de coisas (terras, riquezas) e pessoas
(domínio dos outros), à aversão à pobreza e à modéstia, à busca da fama e da notoriedade — guerreiros
e governantes (xátrias) e comerciantes, proprietários de terras, artistas
(vaixás).
Tamas inclina à
passividade, à inércia, à falta de ambição, à ignorância, ao medo de assumir
responsabilidades e riscos, a viver o dia-a-dia em iludido contentamento, em
ocupações humildes, repetitivas e cansativas, deixando-se conduzir pelos mais
fortes e enérgicos — artesãos, operários, camponeses (sudras).
O sistema de castas é um mecanismo de
estratificação social dos membros da sociedade hindu. É baseado na crença
milenar hinduísta de que as pessoas nascem com destino e posição determinadas
na sociedade.
Nas castas se nascem e nelas se devem
permanecer, para que se cumpra o dharma (a Justiça) e se apague o karma, ou
os “nós” que o prendem na Roda de Samsara (encarnações
no plano físico). Então, não há possibilidade de progresso e ascensão social
por esforços próprios. É tirada a esperança aos miseráveis e desfavorecidos,
como também a possibilidade aos mais ricos de ajudarem aos mais pobres também,
por sofrerem intimidação de suas castas e ameaça de expulsão, o que equivale à
exclusão da sociedade.
Estima-se que as castas tenham
surgido com a invasão dos Árias à Índia. Os árias eram tribos indo-européias
que conquistaram a Índia há alguns milhares de anos. O sistema de castas,
propriamente dito, teria surgido por volta de 850 a.C., e as primeiras
referências documentais datam do período entre 600 a.C. e 250 a.C.
Se apresentou como uma forma de segregar os invasores árias (de pele branca,
indou-europeus) dos nativos indianos, chamados de dasas (ou
escravos, de pele escura). Poderia mesmo comparar o sistema de castas hindu ao
de um apartheid, mas com muito mais poder, pois se fundamenta em
tradições religiosas antiquíssimas, milenares. E todos sabem como o povo hindu
é religioso e tradicional. Se trocarmos em miúdos, até na Índia os europeus
mandam, e há muito mais tempo…
As castas são tidas como criadas
de partes do corpo de Brahma, o deus supremo do hinduísmo.
Temos no alto da hierarquia os Brâmanes (sacerdotes, religiosos e sábios), que
representam a boca de Brahma. Originados dos braços, termos os Shátrias (governantes,
dignitários e militares).
As pernas de Brahma teriam gerado
os Vaysias (comerciantes e artesãos), e dos pés teriam
saído os Sudras (agricultores e servidores pobres). E
da poeira sob os pés de Brahma, começaram a existir (subsistir seria o certo)
os Dalits (os “intocáveis”), que era a parte da criação
de Brahma que é subestimada como nem sendo humana.
Apesar de todas as manifestações
de órgãos humanitários, ao longo da história recente, tendo como ícone pelo fim
da discriminação de castas o grande Mahatma Ghandi, o povo, inclusive os marginalizados Dalits,
são muito apegados às suas tradições religiosas, mesmo que tais tradições
tenham sido trazidas por povos não-indianos. Preferem se resignar aos maus
tratos de toda a sociedade do que correr o risco de, por exemplo, reencarnarem
em uma árvore ou animal. Nem mesmo com a Constituição de 1947, logo após a
independência da Grã-Bretanha, houve significativo avanço nos direitos
dos Dalits excluídos da Índia. Muito pelo contrário: a resistência
manifestada pelo povo em defesa das tradições, tão excessivamente rígida, criou
um clima de maior tensão ainda contra os Dalits.
As escrituras védicas (livros
sagrados dos hindus) contém os preceitos básicos para os membros de cada casta.
O membro de uma casta já nasce sabendo o que pode comer, o que pode vestir, qual
profissão pode seguir e com quem pode se casar. Não há como escapar às rédeas
das castas. A filha de um comerciante que se atreva a desdenhar o noivo que lhe
foi destinado (muitas vezes, desde a infância) pode ser expulsa de sua casta, o
que equivale a se tornar uma dalit.
E como vivem os dalits?
Segundo a tradição hinduísta,
os dalits são a sujeira da sociedade, impuros por natureza
(talvez uma segregação velada pela cor da pele dos escravos). Eles são a
escória segundo a religião. Até mesmo os próprios dalits nutrem
essa crença e toleram os ultrajes e crimes cometidos em nome da tradição.
Segundo eles, a esperança é de que, suportando os ultrajes e impropérios contra
eles, pacientemente, poderão, numa próxima encarnação, merecer nascer numa
casta mais elevada.
Os dalits não podem
comer o mesmo tipo de alimento dos membros de outras castas, e devem se
alimentar em louças quebradas. Suas vestes são as herdadas dos cadáveres ou de
outros dalits.
Não devem estudar. Não podem entrar em lugar algum
onde esteja um membro de outra casta nem em templos onde haja um religioso
(brâmane). Na prática, isso os impede de praticar a fé, pois sempre, em todos
os templos, há um religioso em serviço.
Como profissão lhes são reservados os serviços
considerados impuros, indignos e degradantes: lida com cadáveres (humanos e
animais), limpeza de fossas e esgotos, varredura de ruas e acessos exteriores,
coleta de lixo de todos os tipos. Resumindo: são tratados como lixo e devem ser
mantidos em lugares próprios para o lixo, para o que é descartável, sujo e
imundo. Vivem nas fossas e esgotos, pois são considerados a merda da sociedade,
para os quais um “puro” não deve olhar, dos quais deve-se manter distância, em
local seguro, dos quais precisam se esconder.
Vários crimes são praticados e
tolerados pelas autoridades, em nome dos costumes. Mulheres dalits são
estupradas e depois queimadas vivas, por serem elas tidas por culpadas do
próprio estupro. Em casos de calamidades públicas, como nas enchentes das
monções, que anualmente castigam a Índia, os dalits não recebem
qualquer ajuda, e isso é encorajado pela população. Hipocritamente, dizem que
isso é por caridade, para que morram e tenham seus sofrimentos, ou karma,
abreviados.
“Girdharilal Maurya acumula
pecados. Tem um mau karma: por que outra razão teria nascido numa casta
intocável se não fosse para pagar pelas vidas passadas? Reparem, ele é um
curtidor de peles: segundo o direito hindu, os trabalhadores dos curtumes
tornam-se impuros, e as outras pessoas devem evitá-los e ultrajá-los. A sua
indecorosa prosperidade é um pecado. Quem este intocável pensa que é para
comprar um pequeno lote de terreno nos arredores da aldeia? Ainda por cima,
atreveu-se a reclamar junto da polícia e das outras autoridades, exigindo
servir-se do novo poço. Teve o que merecem os intocáveis: uma noite, quando
Girdharilal saiu da cidade, 8 homens da casta superior ‘rajput’ foram à sua
casa, derrubaram as vedações, roubaram o trator, espancaram a mulher e a filha
e queimaram a casa.”
Em outro caso, recentemente, em junho
de 2006, um repórter da revista Capricho publicou uma entrevista com um intocável. O entrevistado revelou que seu irmão, por ter invadido o quintal
de um vizinho de casta Vaysia, foi castigado, sendo amarrado
a uma árvore junto com seu pai: depois de uma tremenda surra, toda sua família
foi obrigada a assistir as punições, enquanto o jovem era lentamente devorado
por formigas selvagens.
Na prática, o Governo indiano se recusa
a apurar e punir casos corriqueiros como esses, pois, como mostra um censo, 80%
da população ainda apóia e pratica os preceitos para as castas, inclusive os dalits.
Falamos apenas das principais castas,
mas estima-se que haja em torno de 6.400 castas, entre grupos rurais e
regionais, cada qual com suas regras e rigores.
Embora a palavra "casta" tenha sido introduzida pelos portugueses por volta do século XV dC, a principal característica do sistema surgiu no final do período védico. Dois termos antigos - "Varna" e "Jati" - são usados na Índia para definir o sistema de castas.
"Varna" quer dizer, literalmente "de cor". Por volta de 600 aC, este tornou-se o padrão de classificação da população na Índia. À margem dessa estrutura social estão os "párias", os sem casta ou “intocáveis”, hoje chamados "dalits", "haridchans" ou "haryans". Com o passar do tempo, tem havido centenas de subdivisões no sistema, que não param de se multiplicar.
Jati - Existem
milhares de diferentes grupos Jatis em toda Índia. Nenhum destes grupos se
considera como igual a qualquer outro grupo, mas todos são partes de uma
hierarquia local ou regional. Estes não são organizados em qualquer sentido
institucional, e tradicionalmente não havia um registro formal do status da
casta. Enquanto indivíduos, acham impossível mudar de casta ou subir na escala
social, mas alguns grupos por vezes tentaram ganhar reconhecimento das castas mais
altas pela adoção das práticas dos Brâmanes, como o vegetarianismo. Muitos
costumam ser identificados com atividades particulares e as ocupações costumam
ser hereditárias.
Os “párias” ou "dalits" (‘sem
casta’), são totalmente relegados para fora da sofisticada sociedade hindu,
chamados cruelmente de “intocáveis” porque não devem jamais ser tocados pelos
membros das castas (isso os contaminaria). Recebem apenas os serviços
considerados impuros ou imundos, geralmente associados com os mortos (humanos
ou animais) ou com excrementos. Só lhes é permitido lidar com o lixo, com o
esgoto, com amontoados de cadáveres e outros empregos que lhe mantém em
constante contato com aquilo que o resto da sociedade indiana considera nojento
e desagradável. Mas não são apenas as suas ocupações que são consideradas como
coisas nojentas e que não devem ser feitas por alguém: os próprios
párias são considerados individualmente sujos, e assim não podem manter contato
físico com os "limpos" nem com as partes “puras” da sociedade. Vivem
isolados. Ninguém pode interferir na sua vida social, pois os intocáveis são os
últimos dos últimos, considerados menos que humanos.
O membro de uma casta é definido simplesmente
pelo nascimento. A crença ferrenha na reencarnação faz com que os hindus
acreditem que os méritos conquistados nas vidas passadas é que determinam a
casta em que o indivíduo nasce, por isso não há nenhum problema em se agir de
acordo com o que consideram a "justiça divina". Não há perdão, não há
crescimento espiritual possível nesta vida.
Desobediência às regras das castas, tais como
a recusa a um casamento arranjado, fazem com que o indivíduo seja desligado da
casta em que nasceu. E como ele não pode, em hipótese alguma, fazer parte de outra
casta, tecnicamente essa pessoa se torna um “sem casta” ou “pária”, que, como
visto, é o pior destino imaginável para qualquer cidadão indiano. Em muitos
lugares, principalmente no interior, isto pode significar que essa pessoa não
poderá continuar a trabalhar e a conviver em sociedade, mas se tornará para o
resto da vida uma espécie de lixo humano que é impiedosamente desprezado por
todos, de religiosos a agnósticos.
A luta de Gandhi após a independência da
Índia; a pressão exercida pela ONU e por inúmeros órgãos humanitários internacionais,
as muitas leis que foram criadas como tentativas de eliminar ou ao menos
amenizar a desumanidade do sistema de castas (ilegal desde 1947), tudo foi
inútil diante da tradição firmemente arraigada por milênios, e o sistema
subsiste. O sistema de castas é uma das bases do hinduísmo. - A religião se
torna, então, um poderoso elemento social disciplinador e apaziguador:
resignação é a palavra-chave na postura moral do indivíduo
hindu.
Para se ter uma idéia da gravidade da situação,
quando os tsunamis de Dezembro de 2004 tragaram a costa do Estado indiano de
Tamil Nadu, imaginava-se que a tragédia e a morte agiriam como niveladoras
sociais. Mas os esforços de reabilitação e o envio de ajuda econômica não
conseguiram superar a discriminação sócio-racial que impera na Índia. As
vítimas de Tamil Nadu, o Estado indiano mais devastado pelos tsunamis,
esperaram ansiosos a ajuda do governo e de agências humanitárias para poderem
reconstruir suas vidas, mas os intocáveis não receberam nada por parte das
autoridades locais!
Oficialmente, dez mil pessoas morreram, por
absoluta falta de cuidados, nessa ocasião, e ninguém na Índia considerou isso
chocante. "Não existe nenhum caminho até nossa aldeia. Ninguém vem nem
procura vir aqui", relatou um “intocável” de um distrito de Tamil Nadu
à agência de notícias internacional Interpress - MW Global, na época.
"Paul Raj passou 21 anos sem ser abraçado
por ninguém – nem pela própria família – pela simples razão de ter nascido numa
casta que, na Índia, representa a escória da sociedade. Quando ele tinha 8
anos, encontrou seu irmão amarrado a uma árvore, com as pernas cobertas de
formigas vermelhas. O garoto estava sendo punido por ter entrado no jardim de
um vizinho. Paul estava com o pai, que se ajoelhou e, chorando, começou a pedir
clemência. A reação do dono da casa foi bater no pai e manter o castigo.
'A esposa do dono jogava açúcar na perna dele para atrair mais formigas e os filhos dela ficavam rindo em volta. Ficamos ali parados, vendo meu irmão ser comido vivo, sem fazer nada'. A cada 6 meses, ele conseguia encontrar seu pai por meia hora, e escondido. (...)
'A esposa do dono jogava açúcar na perna dele para atrair mais formigas e os filhos dela ficavam rindo em volta. Ficamos ali parados, vendo meu irmão ser comido vivo, sem fazer nada'. A cada 6 meses, ele conseguia encontrar seu pai por meia hora, e escondido. (...)
Mas o dia mais emocionante da temporada de
Paul em Londres foi quando a chefe do programa de estágio o abraçou. Foi o
primeiro abraço que Paul recebeu na vida, e logo de alguém que nem era da sua
família (ele e sua noiva Shilpa, por exemplo, apesar de estarem juntos há 6
anos, nunca se beijaram, nem na bochecha). "Quando percebi que estava
sendo abraçado, não queria mais largar. Acabei caindo no choro.' -
declarou o rapaz...".
Revista Capricho (Junho/2006)
Isso foi há pouco mais de um ano! Não
estamos falando de ocorrências de centenas de anos atrás, mas de coisas que
acontecem no presente, hoje, agora.
Alguns dados oficiais*:
·
# A cada dia, três
mulheres dalits são estrupadas (uma parte é depois queimada até a morte, como
se a culpa pelo estupro fosse delas mesmas);
·
# A cada hora, em
média, duas casas de dalits são queimadas;
·
# A cada hora, dois
dalits são assaltados;
# 60 milhões de Dalits são explorados através de
trabalhos forçados.
·
# 66% dos dalits
são analfabetos;
·
# A taxa de
mortalidade infantil dos dalits é perto de 10%;
·
# 57% das crianças
dalits de menos de quatro anos de idade estão muito abaixo do peso;
·
# Na Índia de hoje
existem 300 milhões de dalits;
As estimativas atuais apontam que existem em
torno de 6.400 castas(!) na Índia de hoje. Cada uma funciona como um grupo
separado em função das altas barreiras sociais. Percentualmente, as castas na
Índia se classificam da seguinte forma:
1.
Castas altas = 15,4% (brâmanes, casta sacerdotal);
2.
Castas atrasadas = 56,6%;
3.
Dalits = 18,1%;
4.
Tribais ou Advasi = 9,5% (tribos suplementares que algumas vezes
não são considerados parte da estrutura de castas, mas geralmente são
influenciados pelo pensamento de casta);
5.
Outros = 0,4% (não são considerados parte do sistema de castas -
entre estes estão os cristãos sírios e os refugiados Afegãos, iranianos e
outros).
Protesto recente
de mulheres da Índia contra o sistema de castas
Concretamente, o Estado da Índia ainda se recusa a tomar providências para deter, na prática, com ações efetivas e punição aos frequentes crimes bárbaros e excessos cometidos, a observância do sistema de castas pela sua sociedade. Leia abaixo o depoimento de um cidadão indiano para a National Geographic:
"Girdharilal
Maurya acumula pecados. Tem um mau karma: por que outra razão teria nascido
numa casta intocável se não fosse para pagar pelas vidas passadas? Reparem, ele
é um curtidor de peles: segundo o direito hindu, os trabalhadores dos curtumes
tornam-se impuros, e as outras pessoas devem evitá-los e ultrajá-los. A sua
indecorosa prosperidade é um pecado. Quem este intocável pensa que é para
comprar um pequeno lote de terreno nos arredores da aldeia? Ainda por cima,
atreveu-se a reclamar junto da polícia e das outras autoridades, exigindo
servir-se do novo poço. Teve o que merecem os intocáveis: uma noite, quando
Girdharilal saiu da cidade, 8 homens da casta superior 'rajput' foram à sua casa,
derrubaram as vedações, roubaram o trator, espancaram a mulher e a filha e
queimaram a casa."
Saiba mais aqui.
Girdharilal após
ter recebido o castigo por ter se atrevido a comprar um pequeno lote de terra
Mas notável é que os próprios oprimidos, em
sua grande maioria, também acreditam no sistema, e assim, no
geral, preferem se submeter a tudo. Um excelente exemplo de como um sistema de
crenças é capaz de levar seres humanos e nações inteiras a comportamentos
insanos, à tirania e à crueldade extrema.
Fontes
e bibliografia:
PEIRANO, Mariza G. S. Dados - Dados, Ciências Sociais. Rio de
Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/ Sociedade
Brasiliera de Instrução, 1987, p. 359;
Portal National Geographic: em
http://www.nationalgeographic.pt/articulo_texto_iframe.jsp?id=1212728, acesso
em 03/01/2008;
Revista Capricho, Acervo Abril. 06/2006;
OrePelaÍndia.Com;
AmorCósmico.Com.
Revista Capricho, Acervo Abril. 06/2006;
OrePelaÍndia.Com;
AmorCósmico.Com.
NEO SISTEMA DE CASTAS OCIDENTAL – O ENCASTAMENTO
SOCIAL
Isto faz lembrar-mo-nos das crenças que cultivamos no nosso liberalismo capitalista ocidental de que as pessoas são livres para prosperarem e aquelas que não enriquecem são culpadas da sua preguiça e desinteresse por si próprias, e que elas deveriam trabalhar duramente para enriquecerem, e acreditarem que os ricos são abençoados pelo seu esforço e inteligência.
Isto faz lembrar-mo-nos das crenças que cultivamos no nosso liberalismo capitalista ocidental de que as pessoas são livres para prosperarem e aquelas que não enriquecem são culpadas da sua preguiça e desinteresse por si próprias, e que elas deveriam trabalhar duramente para enriquecerem, e acreditarem que os ricos são abençoados pelo seu esforço e inteligência.
Assim acreditamos que, no geral, o sistema
capitalista é justo e remunera bem a todo o esforço do trabalho duro e honesto.
Da mesma forma que na religião Hindu existe
religiões neo-pentecostais que pregam a cura das doenças e a cura da pobreza
como recompensa espiritual pela doação de dinheiro e bens para a Igreja em nome
dos seus sacerdotes, e que a pobreza e a doença são aspectos do mesmo mal
espiritual de que os pecadores sofrem quando estão sem a purificação espiritual ministrada
pelos representantes divinos.
Alguma semelhança com o Hinduísmo?
Uma análise transversal do sistema de castas
da Índia nos traz a consciência de que este e outros quaisquer sistemas culturais
não existem no vácuo, e nenhum deles é vazio e inútil. Todo sistema cultural
surgiu e evoluiu dentro de condicionantes, condições, conjunturas, constructos,
épocas, necessidades de controles sociais, influências, acumulação cultural e
científica, religiões, economia, recursos naturais, constrangimentos, circunstâncias,
limitações, potencialidades, ideologias, filosofias e teleologia.
O que determina o futuro de um indivíduo em
qualquer sociedade?
São as condições que já lhes são dadas, mais
as circunstâncias do meio social e um pouco de suas potencialidades
individuais. Nada mais, além de sorte, é claro (um tanto do acaso, se quiserem).
Seria difícil, e seria muita ficção, supor que
o filho de um industrial fabricante de salsichas desejasse se transformar em
fabricante de automóveis.
Ao herdar o império de fábricas de salsichas
ele herda além de prestígio social, capital intangível da marca tradicional de
salsichas, herda uma riqueza incalculável em enorme capitais específicos que são:
rede de fornecedores de suprimentos para produzir salsichas, rede de
distribuidores de seus produtos, assim, automaticamente ele se vê compelido, obrigado, a dar continuidade aos negócios herdados de salsichas. Qual é a diferença para
um sistema de castas?
Um filho de um grande jogador de futebol tem
de graça herdado de seu progenitor toda a rede de contatos, de patrocinadores,
a agenda de promotores e patrocinadores ligados aos negócios do futebol em
vários estados, municípios, capitais, metrópoles, países, instituições
multilaterais transnacionais, bancos, comerciantes, celebridades, mídias de
massa, admiração de fãs clubes, fanáticos; e o que fazer com todos estes
capitais tangíveis e intangíveis: seguir a carreira de cirurgião, ou de
advogado?
Não seria isto um contra-senso, prejuízo
econômico, jogar no lixo todo este capital intelectual, financeiro, humano,
social por simples capricho? Então o jovem é compelido pelas condições impostas
pela herança a seguir carreiras assemelhadas e afins; isto não nos lembra o
sistema de castas da Índia?
Onde está a racionalidade do sistema de
castas?
Da mesma forma que o jovem deserdado e sem capital
a herdar, sem nome e sem passado a lhes fornecer uma perspectiva viável de
seguir um futuro promissor, assemelhando-se no sistema capitalista liberal a um
pária ou a um Dalit, sem futuro, condenado a pequenos trabalhos para estudar e
conseguir projetar-se no mundo do trabalho ou das artes ou dos esportes a
partir do seu próprio esforço individual é atirado a sua própria sorte no mundo
capitalista.
O mundo capitalista liberal aprendeu a receber e a incentivar a
que os filhos “de” venham a dar continuidade às atividades econômicas, esportivas, políticas, artísticas e intelectuais
de seus ancestrais, assim espera-se que os descendentes de Jorge Amado sigam
com as portas abertas, escancaradas, das editoras de livros a esperar que um
deles se digne a escrever alguma asnice inteligível, pronta para ser revisada e
anabolizada por algum ghost writer, desde que carregue embutido o sobrenome
famoso do ancestral, da mesma forma as gravadoras de mídias musicais esperam
ansiosas por algum descendente musical de Caetano Veloso, Gilberto Gil, com
sorte grande, quem sabe, um descendente de Fábio Jr. ou de Roberto Carlos para
cumprirem com o desiderato que está no inconsciente coletivo sobre as castas invisíveis
que existem na nossa sub-cultura, sub-liminarmente.
Vamos vivendo a nossa simulação de democracia das castas
perpétuas, subliminares, encasteladas na estrutura social brasileira
metaforizada nas castas invisíveis - hereditárias dos: fazendeiros, sem-tetos, sem-terra,
empregadas domésticas, médicos, engenheiros, comerciantes, banqueiros,
rentistas, professores, artistas, esteticistas, tecnólogos, motoristas,
taxistas, cartoriais, servidores públicos, políticos, hoteleiros, padeiros,
açougueiros, aviadores, aeronautas, pescadores, contraventores, ambulantes,
quiosqueiros, feirantes, vendedores, caixeiros viajantes, ourives, tapeceiros,
pedreiros, músicos, promoteurs, desportistas, juristas, advogados, contadores,
administradores, automobilistas, fiscais, policiais, militares, religiosos,
enfermeiros, mecânicos, eletricistas, cabeleireiros, barbeiros, armeiros,
joalheiros, fotógrafos, jornaleiros, jornalistas, médicos, publicitários,
corretores, doceiras, cozinheiros, garçons, artesãos, vidraceiros, socorristas
mecânicos, oficineiros, lojistas, atacadistas, frotistas, marceneiros,
moveleiros, industriais, tratoristas, caseiros, traficantes, bicheiros,
sambistas, roqueiros, marinheiros, contrabandistas, prostituta, sindicalistas,
modelos manequins, balconistas, vigilante, cobrador, motorista.
Porque a herança que receberam diante das circunstâncias de
sobrevivência que lhes são dadas são heranças compulsórias material, imaterial,
intangível, tangível, financeira, prestígio, rede de contatos, agenda social,
contratos, confiança, fama, expectativas, clientes, fornecedores, apoiadores,
amigos formando um conjunto extremamente forte o suficiente para determinarem o
destino do herdeiro, definitivamente, de forma inflexível e irremediavelmente
amarrado e comprometido com o passado.
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