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terça-feira, 9 de julho de 2013

Sistema de castas no Ocidente; existe?

disponivel na AMAZON.COM livros de autoria de prof Msc Roberto da Silva Rocha Roberto da Silva Rocha, professor universitário e cientista político


As Sociedades

As sociedades humanas não são homogêneas.

Há que se observar que em culturas diversas, em tempos diferentes, em eras remotas e principalmente em tempos presentes houve divisões, superdivisões e subdivisões sociais, algumas consideradas naturais, outras acidentais, outras geográficas, outras culturais, outras étnicas, outras religiosas, outras econômicas, outras de gênero, outras etárias, outras sanitárias, outras linguísticas e assim forçosamente admite-se que não é tarefa fácil pensar em uma sociedade humana onde não existam divisões, facções, castas, classes sociais e estamentos.

Sectarismo no Mundo

O sectarismo pode ser visto convenientemente, por uma mente politizada, como uma das muitas metamorfoses do epifenômeno do poder.

Poderia parafrasear Jean Jacques Rousseau e a sua teoria da misantropia social. Porém, não é preciso dispor desta muleta antropológica, pois que a competição entre os indivíduos, institucionalizada ou não, como nos nacionalismos, por exemplo, é preexistente à sociedade.

Assim temos imanentemente uma sociedade clivada entre grupos, classes, castas, e comunidades dividida pelos mais diversos e estranhos critérios.

Estes critérios fazem parte de qualquer projeto de pesquisa sócio-etário-sexual-étnico-escolar-local de uma bem estruturada metodologia de pesquisa social humana.

Qualquer pesquisador consciente e metódico quer saber a que categoria analítica pertencem os indivíduos formadores de um grupo cujo comportamento se quer analisar ou avaliar.

A divisão do trabalho social, que precedeu a civilização humana, obedece as regras tradicionais de separação das atribuições, privilégios e deveres principalmente obedecendo aos critérios: etário, de tradição, de herança, de riqueza, de gênero e de experiência.

As divisões típicas definidas e utilizadas em uma análise de estratificação de categorias analíticas estatísticas em qualquer projeto de pesquisa geralmente recaem nos seguintes âmbitos:

a) Idade;
b) Sexo;
c) Escolaridade;
d) Local de habitação;
e) Profissão;
f) Preferências: 
·         f.1) Política;
·         f.2) Esporte;
·         f.3) Laser;
·         f.4) Cultura:
·          
o    f.4.I) Musical;
o    f.4.II) Literatura;
o    f.4.III) Artes pictóricas e imagéticas.
g) Estado civil;
h) Opção sexual;
i) Etnia;
j) Renda, patrimônio, riqueza;
k) Religião;
l) Naturalidade;
m) Nacionalidade;
n) Tipo físico:
· n.1) Alto / baixo;
· n.2) Gordo / magro;
· n.3) Feio / bonito
Hipótese:


“O sectarismo aceptivo exclusivamente excludente, ou, exclusivamente includente, não-institucionalizados constituem o que se quer caracterizar e denominar com o constructo teórico do preconceito da separação social em camadas.”


A disputa pelo poder subentende o processo da competição por privilégios na sociedade. Da divisão do trabalho social distribuem-se as obrigações e deveres, juntamente com os privilégios que constroem a categoria da hierarquia social, institucionalizada ou não.

Quais elementos e de que maneira estes elementos tão abstratos conseguem fornecer a coesão social ou conseguem produzir a apartação social poderosas capazes de enrijecer o tecido social a ponto de tornarem concretas e estanques as interações sociais mais elementares?

 Sectarismo Organizado

Quando a hierarquia social se apresenta de modo organizada, institucionalizada e orgânica, esta hierarquia social vem apoiada e justificada através de uma ideologia, arribada em constructos teóricos científicos, alicerçada pela tradição, instituindo uma ordem hierárquica social determinada que caracteriza o comportamento social dos grupos e divisões na sociedade. 

Sectarismo não-organizado


No sectarismo não organizado, ou seja, não institucionalizado com regras perceptíveis e coercitivas, observamos o fenômeno do preconceito. Então, o que caracteriza e distingue o preconceito de outras formas do sectarismo é o grau de institucionalização do sectarismo na sociedade.

Assim, deixam de ser caracterizados como preconceitos os sectarismos institucionalizados, tais como:

a) O Nazismo;
b) O Sionismo;
c) O sistema de castas;
d) O Apartheid;
e) Comunidades Quilombolas;
f) Comunidades Indígenas;
g) Sistemas de Cotas Raciais;
h) Sistemas de Cotas Gerais.
i) Socialismo
j) Sistemas de estamentos
k) Sistemas de classes sociais
m) O Capitalismo
n) O Comunismo

 A disputa pelo poder tem sido a principal questão e pólo orientador dos sectarismos nas sociedades: grupos, classes, castas, comunidades, etnias, nações. A sinestesia desta disputa originou os preconceitos.

O preconceito consiste no sentimento de inferiorização e do complexo de desvantagens referente às regras de relacionamento, direitos e obrigações na estrutura social entre os membros. O preconceito não se dirige à pessoa (indivíduo), e sim ao (sujeito coletivo) grupo, categoria ou camada social.

Estamentos

Constitui uma forma de estratificação social com camadas mais fechadas do que classes sociais, e mais abertas do que as castas, ou seja, possui maior mobilidade social que no sistema de castas, e menor mobilidade social do que no sistema de classes sociais. É um tipo de estratificação ainda presente em algumas sociedades. Nessas sociedades, do presente ou do passado, o indivíduo desde o nascimento está obrigado a seguir um estilo de vida predeterminado, reconhecido por lei e geralmente ligado ao conceito de honra, embora exista alguma mobilidade social. Historicamente, os estamentos caracterizaram a sociedade feudal durante a Idade Média.
Na obra de Max Weber, o conceito de estamento é ampliado. Passa a significar não propriamente um corpo homogêneo estratificado, mas sim certa teia de relacionamentos que constitui um determinado poder e influi em determinado campo de atividade.
Podemos afirmar que, no estamento, cada estrato deve obedecer a leis diferenciadas. Por exemplo, na sociedade feudal os direitos e deveres de um nobre eram diferentes dos direitos e deveres de um servo. E, embora a lei não preveja a mudança de status social, ela também não a torna impossível, como na casta. Por exemplo, um servo pode se tornar um pequeno comerciante ou um membro do clero. Isso dá ao sistema de estamentos uma mobilidade social maior do que nas castas, mas não tão alta quanto nas classes sociais, onde todos, em teoria, são iguais perante a lei.

O sistema de castas

As sociedades organizadas em castas

O sistema de castas foi observado na Grécia antiga e na China, mas a Índia foi onde esse sistema se expressou de forma mais completa.

A sociedade indiana começou a se organizar em castas e subcastas há mais de três mil anos, adotando uma hierarquização baseada na religião, etnia, cor, hereditariedade e ocupação. Todos esses fatores são levados em consideração para definir as castas.

Esses elementos definem a organização do poder político e a distribuição da riqueza gerada pela sociedade.

Esse sistema foi abolido oficialmente em 1950, mas sobrevive pela força da tradição. Na medida em que o capitalismo avança na índia, espera-se que o sistema de castas se misture ao sistema de classes sociais econômicas e vá se desintegrando aos poucos.

O sistema de castas da Índia é uma divisão social importante na sociedade Hindu, não apenas na Índia, mas no Nepal e em outros países e populações de religião Hindu. Embora geralmente identificado com o hinduísmo, o sistema de castas também foi observado entre seguidores de outras religiões no subcontinente indiano, incluindo alguns grupos de muçulmanos e cristãos.

A Constituição Indiana rejeita a discriminação com base na casta, em consonância com os princípios democráticos e seculares capitalistas liberais ocidentais que fundaram a nação indiana contemporânea pós-colonial.

Barreiras de casta deixaram de existir rigidamente e conspicuamente nas grandes cidades, mas persistem principalmente na zona rural do país e entre famílias conservadoras.
Castas e divisões na Índia

Define-se casta como grupo social hereditário, no qual a condição do indivíduo passa de pai para filho. O grupo é endógamo, isto é, cada integrante só pode casar-se com pessoas do seu próprio grupo.
  • os brâmanes (sacerdotes e letrados) nasceram da cabeça de Brahma;
  • os xátrias (guerreiros) nasceram dos braços de Brahma);
  • os vaixás (comerciantes) nasceram das pernas de Brahma) ;
  • os sudras (servos: camponeses, artesãos e operários) nasceram dos pés de Brahma.


À margem dessa estrutura social havia os cordeiros, que vieram da poeira debaixo do pé de Brahma. Mais conhecidos como párias, sem casta, eram considerados os mais atraídos por todas as castas. Hoje são chamados de haridchens, haryens , dalit , ou intocáveis. Com o passar do tempo, ocorreram centenas de subdivisões, que não param de se multiplicar.
§  Brahmin: os brahmin representam o topo da pirâmide social indiana. Eles representam apenas 15% da população e são extremamente respeitados. São filósofos, sacerdotes e professores.
§  Kshatriya: são como subordinados dos brahmin. Suas funções estão ligadas diretamente aos meios políticos e militares, também são respeitados por classes mais baixas.
§  Vaishas: as funções dos vaishas se restringem à agricultura e o comércio, portanto, é uma casta extremamente importante.
§  Shudras: assim como os vaishas, não é uma casta que está no topo, mas é essencial. Composta por operários, artesãos e camponeses. Conquistaram a permissão para conhecer os ensinamentos hindus há pouco tempo.
§  Dalit: os dalits não fazem parte das castas oficiais, são mais como uma clandestina. São considerados dalits todos aqueles que violaram o sistema de castas, que “pagam” o preço desta violação com trabalhos em esgotos, lixo e manejo de mortos. Uma pessoa rebaixada a dalit leva consigo todos os seus descendentes. É considerada a classe mais injustiçada da Índia.
§  Jatis: são as pessoas que não se enquadram em nenhuma das castas já citadas antes. Um jati geralmente exerce a função herdada de seus progenitores, que nunca é uma profissão de destaque, por exemplo. Mas assim como os dalits, não fazem parte do regime de castas “oficial”.
A origem do sistema de castas é certa. Segundo o hinduísmo, vem de Brahma, a divindade criadora do universo, mas parece ser proveniente da divisão entre os migrantes arianos - subgrupo dos indo-europeus que povoou a Península da Índia por volta de 1600 a.C., vindo do norte, pelo Punjabe - e os nativos (dasya), que se tornaram escravos. As primeiras referências históricas sobre a existência de castas se encontram em um livro sagrado dos indianos, o Manue, possivelmente escrito entre 800 a.C. e 250 a.C..
Apesar do sistema de castas ter sido rejeitado pela Constituição Indiana de 1950 (devido à pressão de políticos ocidentalizados), ele continua a fazer parte da cultura da Índia moderna. Actualmente, no hinduísmo, existem mais de 3.000 sub-castas não-oficiais.
Há pensadores, como o indologista Alain Daniélou, que consideram o sistema das castas como social e culturalmente válido e justificável no contexto indiano, uma forma muito eficaz de preservar certas subculturas e certas profissões transmitidas geracionalmente, sendo as recentes tentativas de o destruir um verdadeiro caso de etnocentrismo, um genocídio cultural da sociedade indiana, levado a cabo pelas potências ocidentais neocolonialistas.
Fora do sistema das castas, também existem os Adivasis (povos tribais) e os Mechhas (estrangeiros).
Representação das quatro principais castas do hinduísmo em torno do deus Ganesha.




Inicialmente, as castas teriam surgido ligadas aos guna predominantes nos indivíduos. Assim, aqueles em que sattva predomina são inclinados às actividades espirituais, à filosofia, à literatura, às artes, às ciências e ao conhecimentosacerdotes, yogis, mestres espirituais (gurus), eremitas, filósofos, astrólogos, cientistas, escritores, historiadores, artistas e poetas (brâmanes).
Rajas inclina naturalmente a actividades enérgicas, agressivas, à conquista de coisas (terras, riquezas) e pessoas (domínio dos outros), à aversão à pobreza e à modéstia, à busca da fama e da notoriedade — guerreiros e governantes (xátrias) e comerciantes, proprietários de terras, artistas (vaixás).
Tamas inclina à passividade, à inércia, à falta de ambição, à ignorância, ao medo de assumir responsabilidades e riscos, a viver o dia-a-dia em iludido contentamento, em ocupações humildes, repetitivas e cansativas, deixando-se conduzir pelos mais fortes e enérgicos — artesãos, operários, camponeses (sudras).
O sistema de castas é um mecanismo de estratificação social dos membros da sociedade hindu. É baseado na crença milenar hinduísta de que as pessoas nascem com destino e posição determinadas na sociedade.
Nas castas se nascem e nelas se devem permanecer, para que se cumpra o dharma (a Justiça) e se apague o karma, ou os “nós” que o prendem na Roda de Samsara (encarnações no plano físico). Então, não há possibilidade de progresso e ascensão social por esforços próprios. É tirada a esperança aos miseráveis e desfavorecidos, como também a possibilidade aos mais ricos de ajudarem aos mais pobres também, por sofrerem intimidação de suas castas e ameaça de expulsão, o que equivale à exclusão da sociedade.

Estima-se que as castas tenham surgido com a invasão dos Árias à Índia. Os árias eram tribos indo-européias que conquistaram a Índia há alguns milhares de anos. O sistema de castas, propriamente dito, teria surgido por volta de 850 a.C., e as primeiras  referências documentais datam do  período entre 600 a.C. e 250 a.C. Se apresentou como uma forma de segregar os invasores árias (de pele branca, indou-europeus) dos nativos indianos, chamados de dasas (ou escravos, de pele escura). Poderia mesmo comparar o sistema de castas hindu ao de um apartheid, mas com muito mais poder, pois se fundamenta em tradições religiosas antiquíssimas, milenares. E todos sabem como o povo hindu é religioso e tradicional. Se trocarmos em miúdos, até na Índia os europeus mandam, e há muito mais tempo…

As castas são tidas como criadas de partes do corpo de Brahma, o deus supremo do hinduísmo. Temos no alto da hierarquia os Brâmanes (sacerdotes, religiosos e sábios), que representam a boca de Brahma. Originados dos braços, termos os Shátrias (governantes, dignitários e militares).

As pernas de Brahma teriam gerado os Vaysias (comerciantes e artesãos), e dos pés teriam saído os Sudras (agricultores e servidores pobres). E da poeira sob os pés de Brahma, começaram a existir (subsistir seria o certo) os Dalits (os “intocáveis”), que era a parte da criação de Brahma que é subestimada como nem sendo humana.

Apesar de todas as manifestações de órgãos humanitários, ao longo da história recente, tendo como ícone pelo fim da discriminação de castas o grande Mahatma Ghandi, o povo, inclusive os marginalizados Dalits, são muito apegados às suas tradições religiosas, mesmo que tais tradições tenham sido trazidas por povos não-indianos. Preferem se resignar aos maus tratos de toda a sociedade do que correr o risco de, por exemplo, reencarnarem em uma árvore ou animal. Nem mesmo com a Constituição de 1947, logo após a independência da Grã-Bretanha, houve significativo avanço nos direitos dos Dalits excluídos da Índia. Muito pelo contrário: a resistência manifestada pelo povo em defesa das tradições, tão excessivamente rígida, criou um clima de maior tensão ainda contra os Dalits.

As escrituras védicas (livros sagrados dos hindus) contém os preceitos básicos para os membros de cada casta. O membro de uma casta já nasce sabendo o que pode comer, o que pode vestir, qual profissão pode seguir e com quem pode se casar. Não há como escapar às rédeas das castas. A filha de um comerciante que se atreva a desdenhar o noivo que lhe foi destinado (muitas vezes, desde a infância) pode ser expulsa de sua casta, o que equivale a se tornar uma dalit.

E como vivem os dalits?

Segundo a tradição hinduísta, os dalits são a sujeira da sociedade, impuros por natureza (talvez uma segregação velada pela cor da pele dos escravos). Eles são a escória segundo a religião. Até mesmo os próprios dalits nutrem essa crença e toleram os ultrajes e crimes cometidos em nome da tradição. Segundo eles, a esperança é de que, suportando os ultrajes e impropérios contra eles, pacientemente, poderão, numa próxima encarnação, merecer nascer numa casta mais elevada.
Os dalits não podem comer o mesmo tipo de alimento dos membros de outras castas, e devem se alimentar em louças quebradas. Suas vestes são as herdadas dos cadáveres ou de outros dalits.




Não podem beber água da mesma fonte ou corrente dos outros, pois poderiam poluí-la. Só podem se casar com dalits, obviamente. Não podem tocar em ninguém de outra casta, nem mesmo a sua sombra pode “tocar” a sombra de outra pessoa.
Não devem estudar. Não podem entrar em lugar algum onde esteja um membro de outra casta nem em templos onde haja um religioso (brâmane). Na prática, isso os impede de praticar a fé, pois sempre, em todos os templos, há um religioso em serviço.
Como profissão lhes são reservados os serviços considerados impuros, indignos e degradantes: lida com cadáveres (humanos e animais), limpeza de fossas e esgotos, varredura de ruas e acessos exteriores, coleta de lixo de todos os tipos. Resumindo: são tratados como lixo e devem ser mantidos em lugares próprios para o lixo, para o que é descartável, sujo e imundo. Vivem nas fossas e esgotos, pois são considerados a merda da sociedade, para os quais um “puro” não deve olhar, dos quais deve-se manter distância, em local seguro, dos quais precisam se esconder.
Vários crimes são praticados e tolerados pelas autoridades, em nome dos costumes. Mulheres dalits são estupradas e depois queimadas vivas, por serem elas tidas por culpadas do próprio estupro. Em casos de calamidades públicas, como nas enchentes das monções, que anualmente castigam a Índia, os dalits não recebem qualquer ajuda, e isso é encorajado pela população. Hipocritamente, dizem que isso é por caridade, para que morram e tenham seus sofrimentos, ou karma, abreviados.

Este é um depoimento de um cidadão indiano ao National Geographic:
“Girdharilal Maurya acumula pecados. Tem um mau karma: por que outra razão teria nascido numa casta intocável se não fosse para pagar pelas vidas passadas? Reparem, ele é um curtidor de peles: segundo o direito hindu, os trabalhadores dos curtumes tornam-se impuros, e as outras pessoas devem evitá-los e ultrajá-los. A sua indecorosa prosperidade é um pecado. Quem este intocável pensa que é para comprar um pequeno lote de terreno nos arredores da aldeia? Ainda por cima, atreveu-se a reclamar junto da polícia e das outras autoridades, exigindo servir-se do novo poço. Teve o que merecem os intocáveis: uma noite, quando Girdharilal saiu da cidade, 8 homens da casta superior ‘rajput’ foram à sua casa, derrubaram as vedações, roubaram o trator, espancaram a mulher e a filha e queimaram a casa.”

Em outro caso, recentemente, em junho de 2006, um repórter da revista Capricho publicou uma entrevista com um intocável. O entrevistado revelou que seu irmão, por ter invadido o quintal de um vizinho de casta Vaysia, foi castigado, sendo amarrado a uma árvore junto com seu pai: depois de uma tremenda surra, toda sua família foi obrigada a assistir as punições, enquanto o jovem era lentamente devorado por formigas selvagens.





Na prática, o Governo indiano se recusa a apurar e punir casos corriqueiros como esses, pois, como mostra um censo, 80% da população ainda apóia e pratica os preceitos para as castas, inclusive os dalits.

Falamos apenas das principais castas, mas estima-se que haja em torno de 6.400 castas, entre grupos rurais e regionais, cada qual com suas regras e rigores.


Trabalhadores "dalits" - os párias da sociedade hindu


Embora a palavra "casta" tenha sido introduzida pelos portugueses por volta do século XV dC, a principal característica do sistema surgiu no final do período védico. Dois termos antigos - "Varna" e "Jati" - são usados na Índia para definir o sistema de castas.





"Varna" quer dizer, literalmente "de cor". Por volta de 600 aC, este tornou-se o padrão de classificação da população na Índia. À margem dessa estrutura social estão os "párias", os sem casta ou “intocáveis”, hoje chamados "dalits", "haridchans" ou "haryans". Com o passar do tempo, tem havido centenas de subdivisões no sistema, que não param de se multiplicar.
Jati - Existem milhares de diferentes grupos Jatis em toda Índia. Nenhum destes grupos se considera como igual a qualquer outro grupo, mas todos são partes de uma hierarquia local ou regional. Estes não são organizados em qualquer sentido institucional, e tradicionalmente não havia um registro formal do status da casta. Enquanto indivíduos, acham impossível mudar de casta ou subir na escala social, mas alguns grupos por vezes tentaram ganhar reconhecimento das castas mais altas pela adoção das práticas dos Brâmanes, como o vegetarianismo. Muitos costumam ser identificados com atividades particulares e as ocupações costumam ser hereditárias.
Os “párias” ou "dalits" (‘sem casta’), são totalmente relegados para fora da sofisticada sociedade hindu, chamados cruelmente de “intocáveis” porque não devem jamais ser tocados pelos membros das castas (isso os contaminaria). Recebem apenas os serviços considerados impuros ou imundos, geralmente associados com os mortos (humanos ou animais) ou com excrementos. Só lhes é permitido lidar com o lixo, com o esgoto, com amontoados de cadáveres e outros empregos que lhe mantém em constante contato com aquilo que o resto da sociedade indiana considera nojento e desagradável. Mas não são apenas as suas ocupações que são consideradas como coisas nojentas e que não devem ser feitas por alguém: os próprios párias são considerados individualmente sujos, e assim não podem manter contato físico com os "limpos" nem com as partes “puras” da sociedade. Vivem isolados. Ninguém pode interferir na sua vida social, pois os intocáveis são os últimos dos últimos, considerados menos que humanos.
O membro de uma casta é definido simplesmente pelo nascimento. A crença ferrenha na reencarnação faz com que os hindus acreditem que os méritos conquistados nas vidas passadas é que determinam a casta em que o indivíduo nasce, por isso não há nenhum problema em se agir de acordo com o que consideram a "justiça divina". Não há perdão, não há crescimento espiritual possível nesta vida.
Desobediência às regras das castas, tais como a recusa a um casamento arranjado, fazem com que o indivíduo seja desligado da casta em que nasceu. E como ele não pode, em hipótese alguma, fazer parte de outra casta, tecnicamente essa pessoa se torna um “sem casta” ou “pária”, que, como visto, é o pior destino imaginável para qualquer cidadão indiano. Em muitos lugares, principalmente no interior, isto pode significar que essa pessoa não poderá continuar a trabalhar e a conviver em sociedade, mas se tornará para o resto da vida uma espécie de lixo humano que é impiedosamente desprezado por todos, de religiosos a agnósticos.




A luta de Gandhi após a independência da Índia; a pressão exercida pela ONU e por inúmeros órgãos humanitários internacionais, as muitas leis que foram criadas como tentativas de eliminar ou ao menos amenizar a desumanidade do sistema de castas (ilegal desde 1947), tudo foi inútil diante da tradição firmemente arraigada por milênios, e o sistema subsiste. O sistema de castas é uma das bases do hinduísmo. - A religião se torna, então, um poderoso elemento social disciplinador e apaziguador: resignação é a palavra-chave na postura moral do indivíduo hindu.
Para se ter uma idéia da gravidade da situação, quando os tsunamis de Dezembro de 2004 tragaram a costa do Estado indiano de Tamil Nadu, imaginava-se que a tragédia e a morte agiriam como niveladoras sociais. Mas os esforços de reabilitação e o envio de ajuda econômica não conseguiram superar a discriminação sócio-racial que impera na Índia. As vítimas de Tamil Nadu, o Estado indiano mais devastado pelos tsunamis, esperaram ansiosos a ajuda do governo e de agências humanitárias para poderem reconstruir suas vidas, mas os intocáveis não receberam nada por parte das autoridades locais!
Oficialmente, dez mil pessoas morreram, por absoluta falta de cuidados, nessa ocasião, e ninguém na Índia considerou isso chocante. "Não existe nenhum caminho até nossa aldeia. Ninguém vem nem procura vir aqui", relatou um “intocável” de um distrito de Tamil Nadu à agência de notícias internacional Interpress - MW Global, na época.
"Paul Raj passou 21 anos sem ser abraçado por ninguém – nem pela própria família – pela simples razão de ter nascido numa casta que, na Índia, representa a escória da sociedade. Quando ele tinha 8 anos, encontrou seu irmão amarrado a uma árvore, com as pernas cobertas de formigas vermelhas. O garoto estava sendo punido por ter entrado no jardim de um vizinho. Paul estava com o pai, que se ajoelhou e, chorando, começou a pedir clemência. A reação do dono da casa foi bater no pai e manter o castigo.

'A esposa do dono jogava açúcar na perna dele para atrair mais formigas e os filhos dela ficavam rindo em volta. Ficamos ali parados, vendo meu irmão ser comido vivo, sem fazer nada'. A cada 6 meses, ele conseguia encontrar seu pai por meia hora, e escondido. (...)
Mas o dia mais emocionante da temporada de Paul em Londres foi quando a chefe do programa de estágio o abraçou. Foi o primeiro abraço que Paul recebeu na vida, e logo de alguém que nem era da sua família (ele e sua noiva Shilpa, por exemplo, apesar de estarem juntos há 6 anos, nunca se beijaram, nem na bochecha). "Quando percebi que estava sendo abraçado, não queria mais largar. Acabei caindo no choro.' - declarou o rapaz...".
Revista Capricho (Junho/2006)
Isso foi há pouco mais de um ano! Não estamos falando de ocorrências de centenas de anos atrás, mas de coisas que acontecem no presente, hoje, agora.
Alguns dados oficiais*:
·        # A cada dia, três mulheres dalits são estrupadas (uma parte é depois queimada até a morte, como se a culpa pelo estupro fosse delas mesmas);
·        # A cada hora, em média, duas casas de dalits são queimadas;
·        # A cada hora, dois dalits são assaltados;
# 60 milhões de Dalits são explorados através de trabalhos forçados.
·        # 66% dos dalits são analfabetos;
·        # A taxa de mortalidade infantil dos dalits é perto de 10%;
·        # 57% das crianças dalits de menos de quatro anos de idade estão muito abaixo do peso;
·        # Na Índia de hoje existem 300 milhões de dalits;
* Fonte: Organização Internacional Dalit Awakaning.
As estimativas atuais apontam que existem em torno de 6.400 castas(!) na Índia de hoje. Cada uma funciona como um grupo separado em função das altas barreiras sociais. Percentualmente, as castas na Índia se classificam da seguinte forma:
1.      Castas altas = 15,4% (brâmanes, casta sacerdotal);
2.      Castas atrasadas = 56,6%;
3.      Dalits = 18,1%;
4.      Tribais ou Advasi = 9,5% (tribos suplementares que algumas vezes não são considerados parte da estrutura de castas, mas geralmente são influenciados pelo pensamento de casta);
5.      Outros = 0,4% (não são considerados parte do sistema de castas - entre estes estão os cristãos sírios e os refugiados Afegãos, iranianos e outros).



Protesto recente de mulheres da Índia contra o sistema de castas














Concretamente, o Estado da Índia ainda se recusa a tomar providências para deter, na prática, com ações efetivas e punição aos frequentes crimes bárbaros e excessos cometidos, a observância do sistema de castas pela sua sociedade. Leia abaixo o depoimento de um cidadão indiano para a National Geographic:





"Girdharilal Maurya acumula pecados. Tem um mau karma: por que outra razão teria nascido numa casta intocável se não fosse para pagar pelas vidas passadas? Reparem, ele é um curtidor de peles: segundo o direito hindu, os trabalhadores dos curtumes tornam-se impuros, e as outras pessoas devem evitá-los e ultrajá-los. A sua indecorosa prosperidade é um pecado. Quem este intocável pensa que é para comprar um pequeno lote de terreno nos arredores da aldeia? Ainda por cima, atreveu-se a reclamar junto da polícia e das outras autoridades, exigindo servir-se do novo poço. Teve o que merecem os intocáveis: uma noite, quando Girdharilal saiu da cidade, 8 homens da casta superior 'rajput' foram à sua casa, derrubaram as vedações, roubaram o trator, espancaram a mulher e a filha e queimaram a casa."
Saiba mais aqui.
Girdharilal após ter recebido o castigo por ter se atrevido a comprar um pequeno lote de terra














No "Sistema de Castas" não há compaixão, não há possibilidade de ascensão social nem melhora para o ser humano enquanto indivíduo, de espécie alguma. Não há amor ao próximo, se esse próximo pertencer a uma casta inferior ou se for um "intocável". Acredita-se piamente que os sofredores estejam naquela situação porque merecem aquilo. Além disso, crê-se que eles mesmos terão a oportunidade de conquistar melhores condições numa próxima vida, desde que cumpram bem o seu papel na vida presente. - Em outras palavras, se forem subservientes e aceitarem se submeter a todo tipo de humilhação e sofrimento infligido, sem soltar nenhum gemido. Se aceitarem ver suas filhas sendo estupradas e queimadas vivas. Se aceitarem tudo e se comportarem bem, como bons sacos de lixo que devem ser.




Mas notável é que os próprios oprimidos, em sua grande maioria, também acreditam no sistema, e assim, no geral, preferem se submeter a tudo. Um excelente exemplo de como um sistema de crenças é capaz de levar seres humanos e nações inteiras a comportamentos insanos, à tirania e à crueldade extrema.
Fontes e bibliografia:
PEIRANO, Mariza G. S. Dados - Dados, Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/ Sociedade Brasiliera de Instrução, 1987, p. 359;
Portal National Geographic: em http://www.nationalgeographic.pt/articulo_texto_iframe.jsp?id=1212728, acesso em 03/01/2008;
Revista Capricho, Acervo Abril. 06/2006;
OrePelaÍndia.Com;
AmorCósmico.Com.



NEO SISTEMA DE CASTAS OCIDENTAL – O ENCASTAMENTO SOCIAL

Isto faz lembrar-mo-nos das crenças que cultivamos no nosso liberalismo capitalista ocidental de que as pessoas são livres para prosperarem e aquelas que não enriquecem são culpadas da sua preguiça e desinteresse por si próprias, e que elas deveriam trabalhar duramente para enriquecerem, e acreditarem que os ricos são abençoados pelo seu esforço e inteligência.
Assim acreditamos que, no geral, o sistema capitalista é justo e remunera bem a todo o esforço do trabalho duro e honesto.
Da mesma forma que na religião Hindu existe religiões neo-pentecostais que pregam a cura das doenças e a cura da pobreza como recompensa espiritual pela doação de dinheiro e bens para a Igreja em nome dos seus sacerdotes, e que a pobreza e a doença são aspectos do mesmo mal espiritual de que os pecadores sofrem quando estão sem a purificação espiritual ministrada pelos representantes divinos.
Alguma semelhança com o Hinduísmo?
Uma análise transversal do sistema de castas da Índia nos traz a consciência de que este e outros quaisquer sistemas culturais não existem no vácuo, e nenhum deles é vazio e inútil. Todo sistema cultural surgiu e evoluiu dentro de condicionantes, condições, conjunturas, constructos, épocas, necessidades de controles sociais, influências, acumulação cultural e científica, religiões, economia, recursos naturais, constrangimentos, circunstâncias, limitações, potencialidades, ideologias, filosofias e teleologia.
O que determina o futuro de um indivíduo em qualquer sociedade?
São as condições que já lhes são dadas, mais as circunstâncias do meio social e um pouco de suas potencialidades individuais. Nada mais, além de sorte, é claro (um tanto do acaso, se quiserem).
Seria difícil, e seria muita ficção, supor que o filho de um industrial fabricante de salsichas desejasse se transformar em fabricante de automóveis.
Ao herdar o império de fábricas de salsichas ele herda além de prestígio social, capital intangível da marca tradicional de salsichas, herda uma riqueza incalculável em enorme capitais específicos que são: rede de fornecedores de suprimentos para produzir salsichas, rede de distribuidores de seus produtos, assim, automaticamente ele se vê compelido, obrigado, a dar continuidade aos negócios herdados de salsichas. Qual é a diferença para um sistema de castas?
Um filho de um grande jogador de futebol tem de graça herdado de seu progenitor toda a rede de contatos, de patrocinadores, a agenda de promotores e patrocinadores ligados aos negócios do futebol em vários estados, municípios, capitais, metrópoles, países, instituições multilaterais transnacionais, bancos, comerciantes, celebridades, mídias de massa, admiração de fãs clubes, fanáticos; e o que fazer com todos estes capitais tangíveis e intangíveis: seguir a carreira de cirurgião, ou de advogado?
Não seria isto um contra-senso, prejuízo econômico, jogar no lixo todo este capital intelectual, financeiro, humano, social por simples capricho? Então o jovem é compelido pelas condições impostas pela herança a seguir carreiras assemelhadas e afins; isto não nos lembra o sistema de castas da Índia?
Onde está a racionalidade do sistema de castas?
Da mesma forma que o jovem deserdado e sem capital a herdar, sem nome e sem passado a lhes fornecer uma perspectiva viável de seguir um futuro promissor, assemelhando-se no sistema capitalista liberal a um pária ou a um Dalit, sem futuro, condenado a pequenos trabalhos para estudar e conseguir projetar-se no mundo do trabalho ou das artes ou dos esportes a partir do seu próprio esforço individual é atirado a sua própria sorte no mundo capitalista.
O mundo capitalista liberal aprendeu a receber e a incentivar a que os filhos “de” venham a dar continuidade às atividades econômicas, esportivas, políticas, artísticas e intelectuais de seus ancestrais, assim espera-se que os descendentes de Jorge Amado sigam com as portas abertas, escancaradas, das editoras de livros a esperar que um deles se digne a escrever alguma asnice inteligível, pronta para ser revisada e anabolizada por algum ghost writer, desde que carregue embutido o sobrenome famoso do ancestral, da mesma forma as gravadoras de mídias musicais esperam ansiosas por algum descendente musical de Caetano Veloso, Gilberto Gil, com sorte grande, quem sabe, um descendente de Fábio Jr. ou de Roberto Carlos para cumprirem com o desiderato que está no inconsciente coletivo sobre as castas invisíveis que existem na nossa sub-cultura, sub-liminarmente.
Vamos vivendo a nossa simulação de democracia das castas perpétuas, subliminares, encasteladas na estrutura social brasileira metaforizada nas castas invisíveis - hereditárias dos: fazendeiros, sem-tetos, sem-terra, empregadas domésticas, médicos, engenheiros, comerciantes, banqueiros, rentistas, professores, artistas, esteticistas, tecnólogos, motoristas, taxistas, cartoriais, servidores públicos, políticos, hoteleiros, padeiros, açougueiros, aviadores, aeronautas, pescadores, contraventores, ambulantes, quiosqueiros, feirantes, vendedores, caixeiros viajantes, ourives, tapeceiros, pedreiros, músicos, promoteurs, desportistas, juristas, advogados, contadores, administradores, automobilistas, fiscais, policiais, militares, religiosos, enfermeiros, mecânicos, eletricistas, cabeleireiros, barbeiros, armeiros, joalheiros, fotógrafos, jornaleiros, jornalistas, médicos, publicitários, corretores, doceiras, cozinheiros, garçons, artesãos, vidraceiros, socorristas mecânicos, oficineiros, lojistas, atacadistas, frotistas, marceneiros, moveleiros, industriais, tratoristas, caseiros, traficantes, bicheiros, sambistas, roqueiros, marinheiros, contrabandistas, prostituta, sindicalistas, modelos manequins, balconistas, vigilante, cobrador, motorista.

Porque a herança que receberam diante das circunstâncias de sobrevivência que lhes são dadas são heranças compulsórias material, imaterial, intangível, tangível, financeira, prestígio, rede de contatos, agenda social, contratos, confiança, fama, expectativas, clientes, fornecedores, apoiadores, amigos formando um conjunto extremamente forte o suficiente para determinarem o destino do herdeiro, definitivamente, de forma inflexível e irremediavelmente amarrado e comprometido com o passado.
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