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sexta-feira, 22 de julho de 2011

Pobreza: de onde vem?

disponivel na AMAZON.COM livros de autoria de prof Msc Roberto da Silva Rocha Roberto da Silva Rocha, professor universitário e cientista político

O que é a pobreza?

A pobreza, dentre outras causas possíveis e prováveis, pode também resultar da falha na divisão do trabalho social. Esta será a causa examinada neste trabalho.

Desde quando o início do Renascimento no Século XII trouxe o fim do modo de produção feudal, a divisão social do trabalho nacional e internacional criou uma interdependência entre os indivíduos e entre países que resultou da especialização e da disponibilidade de fatores de produção, tendo como principal característica as crises de superprodução e de concentração capitalista relativa e absoluta, em outras palavras, foi o início da continentização[1] da economia e do comércio em particular.

Estas condições e características do capitalismo trouxeram ao mesmo tempo enorme prosperidade para um número muito mais aberto de pessoas, aumento da população, expansão do comércio, aumento das transações financeiras e comerciais, interrompendo o monopólio da riqueza e dos privilégios únicos da nobreza e do clero, mas trouxeram a miséria em escala nunca antes vista na humanidade.

O acesso a qualquer tipo de bem ou serviço deixou de ser proibido em função da classe social ou por conta das tradições e regras sociais que vedavam este acesso a determinados bens, serviços e direitos à determinadas classes sociais, passando o limite da posse de bens e serviços a ser dado apenas pela riqueza e capacidade de endividamento pessoal.

Ao par desta autonomia e liberdade conquistadas pelos ex-servos e vassalos, os ex-senhores feudais libertaram-se das suas responsabilidades pela garantia da sobrevivência e proteção devida aos seus ex-vassalos e ex-servos, a partir de então o balanço entre abandono e liberdade[2], entre autonomia e empregabilidade passou a ser vital para a sobrevivência e o sucesso dos indivíduos.

A cooperação forçada entre os servos do feudo passou a ser substituída pela competição no trabalho fabril, artesanal e manunfatureiro.

A eficiência substituiu a obrigação de fazer e o contrato substituiu o pacto de lealdade.

O preço substituiu o valor de uso do escambo marginal ditado pela tradição.

A padronização da produção retirou da mercadoria o seu valor intrínseco[3] estabelecido pela tradição substituindo-o pelo valor de troca.

A qualquer um era dado, a partir do Renascimento, o direito de enriquecer, junto a esta liberdade a conquista da autonomização exigiu dos indivíduos mobilidade e flexibilidade de mão-de-obra.

Com o acesso universalizado aos bens e serviços e uma grande elasticidade de oferta de fatores de produção o mercado foi assim construído sobre a liberdade da lei da oferta e da procura, cuja base é a utilidade marginal ou subjetiva que cada consumidor percebe nas mercadorias e o princípio da ausência de controle por qualquer dos agentes econômicos sobre as decisões de produzir ou consumir mercadorias.

Entregue às forças de mercado instalou-se a desigualdade e com ela a concentração dos fatores de produção de modo aleatório na sociedade onde a sorte, a natureza (abundância ou escassez de produtos naturais, matérias-primas, fontes de insumos), a habilidade, o capital e o conhecimento foram fatores determinantes para a estratificação social.

A tradição deixou de ser o único fator determinante da riqueza ou pobreza.

A pobreza é uma doença social que vem perpetuando-se verticalmente, por quê a geração passada não legou uma reserva de capital para a geração presente dar o salto de qualidade econômico; perpetua-se também horizontalmente por quê a competição intraclasse entre os pobres é extremamente acirrada reduzindo a possibilidade de cooperação voluntária intraclasse, ao contrário dos ricos que contam com incentivos para uma cooperação espontânea entre eles, maior do que entre os pobres, então o hiato tende a perpetuar-se por quê juntos os ricos aumentam o seu capital e a distância deles para a classe do pobres.

A pobreza exacerba o individualismo, os pobres seriam mais liberais, mais egoístas e menos solidários porquanto a divisão do espaço econômico entre os pobres é mais exíguo, ou seja, os postos e as oportunidades de ascensão econômica e social são proporcionalmente menores, na situação de não-emprego geral (+ de 4% de desempregados), acirrando a disputa entre os pobres, ou seja, retira a possibilidade de cooperação pela escassez de recursos, riqueza, bens e oportunidades de evolução social diante da enorme elasticidade de demanda de postulantes às melhores oportunidades sociais, bens, recursos e riquezas, induzindo um comportamento permanentemente agonístico onde ditam a disputa e competição permanente a que estão submetidos:

a) ou o pobre trabalha para ser o melhor, mais produtivo, mais eficiente,
b) ou o pobre trabalha para que os seus competidores pobres fracassem,

estas expectativas pessimista ou otimista não mudam o fato de que sempre haverá muitos fracassos para poucos sucessos nesta competição entre os pobres em busca da saída da situação de pobreza, na melhor das hipóteses, teríamos mais fracassos do que sucessos num mercado de trabalho sem pleno emprego.

Os ricos seriam socialistas, socializando as suas riquezas para preservarem os seus bens entre eles endogamicamente, porque existe abundância, excedentes de bens e oportunidades, grande elasticidade de bens sob seu controle, assim os ricos seriam mais democráticos e mais iguais entre si.

Allen[4], em seu ensaio sobre a pobreza, lembra na introdução daquela edição que Proudhon publicara em 1846 um livro intitulado "Filosofia da Pobreza" em dois volumes, aos quais Marx respondeu violentamente com um pequeno livro intitulado "A Pobreza da Filosofia", deixando claro a sua concepção ideológica com relação à pobreza como um problema de distribuição de poder assimétrico, onde ambos afirmam que toda riqueza é resultado de roubo, furto ou desvio moral, econômico, social e político, o que remete à preocupação sobre a culpa ou responsabilidade da divisão de classes sociais, mas não explica a origem da diferenciação social que leva à formação da divisão das classes sociais: ou seja, porque uns enriquecem e outros não?

Allen lembra os mais freqüentemente mencionados itens da cultura da pobreza conceituando os pobres como tendo um forte sentimento de fatalidade, crença na sorte, forte orientação no imediatismo do presente, curta perspectiva temporal, impulsividade, inabilidade em adiar a recompensa pelo esforço de planejamento para o futuro, sentimento de inferioridade, aceitação da agressividade e da ilegitimidade, aceitação do autoritarismo. Estes são sintomas e não as causas da pobreza.

A falha vertical na divisão do trabalho social familiar que leva à perpetuação da pobreza decorre da descontinuidade da divisão no tempo intergeracional nas tarefas de construção do patrimônio familiar que não é conduzida entre as sucessões de gerações, resultando na insuficiência legada por herança pelos membros mais velhos da estrutura familiar aos mais novos, que ao elidirem a herança para a geração seguinte interrompem o processo de acumulação capitalista, exponenciando o esforço necessário para a superação da etapa posterior, em alguns casos inviabilizando completamente a potencialidade de desenvolvimento da geração seguinte.

A falha horizontal na divisão do trabalho social familiar decorre quando a divisão no espaço das tarefas de construção do patrimônio familiar não é completada na mesma geração pela falta de investimentos na formação dos membros dependentes da família quando na fase de crescimento cuidados na formação são negligenciados pelos pais ou responsáveis pelos menores, sendo este esforço substituído pelo imediatismo, privando a geração presente de capital intelectual e cultural para construírem as próximas gerações, destruindo ela própria as suas expectativas de prosperidade.

[1] Aqui não cabe o termo globalização pois que o Velho-mundo desconhecia as américas e pouco contato tinham com zonas do extremo oriente, Austrália, Indonésia e Japão, as grandes navegações aconteciam dentro do Mediterrâneo.

[2] É preciso distinguir entre o abandono e a liberdade: os ex-escravos foram abandonados pelos seus ex-senhores por causa da determinação da Lei Áurea, não foi um ganho de liberdade neste caso. Se assim fosse estariam os ex-cônjuges desobrigados de prestação alimentícia por ocasião da liberalização do compromisso que os unia, neste caso, sem a pensão alimentícia seria abandono e não divórcio.

[3] Valor único da peça que era produzida de forma quase artística sem padronização, portanto objetos semelhantes teriam preços e qualidades diferentes.

[4] Allen, Vernon L. The Psichology of Poverty: Problems and Prospects. In: Allen, Vernon L. Psychological Factors in Poverty. London: Academic Press, 196_. Cap.19. Parte 6. pp.367-391.