terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Revolução cultural em China

Roberto da Silva Rocha, professor universitário e cientista político


BARTOSEK, Karel; COURTOIS, Stéphane; MARGOLIN, Jean-Louis; PACZKOWSKI;
, Andrzej; WERTH, Nicolas. O LIVRO NEGRO DO COMUNISMO. Rio de Janeiro: BCD União de Editoras S.A., 2000. 917 páginas.

(....) Quando alguns de nós voltavamos da praia, aonde tínhamos ido tomar banho, ouvimos, ao aproximarmo-nos da entrada principal da escola, gritos e vociferações. Alguns camaradas de classe corriam para nós gritando: "A luta começou! A luta começou!".
Da
Corri para dentro. No campo de jogos, e ainda mais longe diante de um edifício escolar novo de três andares, vi um grupo de professores, 40 ou 50 no total, dispostos em filas, com a cabeça e a cara pintada com tinta preta, de modo que formavam efetivamente um "bando negro". Tinham pendurados ao pescoço cartazes com inscrições como "fulano de tal, autoridade acadêmica reacionária", "beltrano, inimigo da classe", "fulano, defensor da via capitalista, "beltrano, chefe do bando corrupto" - todos qualificativos tirados dos jornais. Todos os cartazes estavam marcados com cruzes vermelhas, o que dava aos professores o aspecto de condenados à morte à espera da execução. Todos tinham na cabeça bonés de burros, nos quais estavam pintados epítetos semelhantes, e carregavam nas costas vassouras sujas, espanadores e sapatos.

Tinham também pendurado em seus pescoços baldes cheios de pedras. Avistei o diretor: o balde que carregava era tão pesado, que o fio metálico cortara-lhe profundamente a pele, e ele cambaleava. Todos descalços, batiam em gongos e panelas dando a volta ao campo, ao mesmo tempo em que gritavam... "Eu sou o gângster fulano!".

Finalmente, caíram todos de joelhos, queimaram incenso e suplicaram a Mao Zedong que "fossem perdoados pelos seus crimes". Fiquei chocado com essa cena e senti-me empalidecer. Algumas moças quase desmaiaram.

Seguiram-se pancadas e torturas. Eu nunca tinha visto antes torturas como àquelas: obrigaram essas pessoas a comerem matérias das latrinas e insetos; submeteram-nas a choques elétricos; fizeram com que se ajoelhassem em cima de cacos de vidros; forçaram-nas à performance do "avião", pendurando-as pelos braços e pelas pernas.

Os primeiros a pegar nos porretes e a torturar foram os bárbaros da escola: filhos de quadros do Partido e de oficiais do exército, pertenciam às cinco classes vermelhas - categoria que compreendia igualmente os filhos de operários, de camponeses pobres e semipobres, e de mártires revolucionários. (....) Grosseiros e cruéis, eles estavam habituados a jogar com a influência dos pais e a brigar com os outros alunos. Sendo de tal modo incompetentes nos estudos, eles estavam para ser expulsos, e culpavam provavelmente os professores por este fato.

Encorajados pelos provocadores, outros alunos gritavam: "Batam neles!", e, lançando-se contra os professores, davam-lhes murros e pontapés. Os mais tímidos foram obrigados a apoia-los, gritando a plenos pulmões e erguendo o punho.

Não havia nada de estranho em tudo aquilo. Os jovens alunos eram, normalmente, calmos e bem educados, mas, dado o primeiro passo, não podiam fazer outra coisa a não ser seguir adiante (....).

O golpe mais duro, para mim, nesse dia, foi, porédm, o assassinato de meu querido professor Chen Ku-teh, aquele por quem eu tinha mais amor e respeito. (....). 

O professor Chen, que tinha 60 anos e sofria de hipertensão foi arrastado para fora ás 11h30min, exposto ao sol do verão durante mais de duas horas, e depois forçado a desfilar com os outros carregando um cartaz e batendo num gongo. Em seguida, arrastaram-no para o primeiro andar de um edifício escolar, depois novamente para baixo, batendo-lhe com os punhos e com cabos de vassoura ao longo de todo o trajeto. No primeiro andar, alguns dos agressores entraram numa sala de aula para irem buscar varas de bambu, com a quais continuaram bater-lhe. Detive-os. Suplicando:

"Não há necessidade de fazer isso! "É demais!".
O professor Chen desmaiou várias vezes, mas eles faziam-no voltar a si jogando baldes de água fria em seu rosto. Quase não conseguia mexer-se: tinha os pés cortados pelos vidros e rasgados pelos espinhos. Mas o seu espírito não fora abatido.

"Por que não me matam?"  - gritava. "Matem-me!".

Isso durou seis horas, até que ele perdeu o controle dos seus excrementos.


Os atormentadores tentaram enfiar um bastão no reto. Caiu pela última vez. Novamente jogaram-lhe água fria, mas era tarde demais. Os assassinos ficaram por um instante como que atordoados, poi era, sem dúvida, a primeira vez que espancavam um homem até à morte, tal como era, para a maior parte de nós, a primeira vez que assistíamos a semelhante cena. Começaram a fugir, uns atrás dos outros.

(....) Arrastaram o corpo de sua vítima para fora do campo, até uma cabana de madeira onde os professores costumavam jogar pingue-pongue. Aí estenderam-no em cima de um tapete de ginástica sujo e depois chamaram um médico da escola e disseram-lhe:

"Verifique cuidadosamente se ele morreu mesmo de hipertensão. Você não tem o direito de defendê-lo!".

O médico examinou-o e declarou que tinha morrido em consequência de torturas. Então, alguns o agarraram e começaram a bater nele, dizendo:

"Por que é que você respira pela mesma narina que ele? Quer acabar da mesma maneira?".

O médico acabou escrevendo na certidão de óbito: "Morte devida a um súbito ataque de hipertensão".
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Em qui, 5 de abr de 2018 21:10, roberto da silva rocha <talkman.roberto@gmail.com> escreveu:
BARTOSEK, Karel; COURTOIS, Stéphane; MARGOLIN, Jean-Louis; PACZKOWSKI;
, Andrzej; WERTH, Nicolas. O LIVRO NEGRO DO COMUNISMO. Rio de Janeiro: BCD União de Editoras S.A., 2000. 917 páginas.

(....) Quando alguns de nós voltavamos da praia, aonde tínhamos ido tomar banho, ouvimos, ao aproximarmo-nos da entrada principal da escola, gritos e vociferações. Alguns camaradas de classe corriam para nós gritando: "A luta começou! A luta começou!".
Da
Corri para dentro. No campo de jogos, e ainda mais longe diante de um edifício escolar novo de três andares, vi um grupo de professores, 40 ou 50 no total, dispostos em filas, com a cabeça e a cara pintada com tinta preta, de modo que formavam efetivamente um "bando negro". Tinham pendurados ao pescoço cartazes com inscrições como "fulano de tal, autoridade acadêmica reacionária", "beltrano, inimigo da classe", "fulano, defensor da via capitalista, "beltrano, chefe do bando corrupto" - todos qualificativos tirados dos jornais. Todos os cartazes estavam marcados com cruzes vermelhas, o que dava aos professores o aspecto de condenados à morte à espera da execução. Todos tinham na cabeça bonés de burros, nos quais estavam pintados epítetos semelhantes, e carregavam nas costas vassouras sujas, espanadores e sapatos.

Tinham também pendurado em seus pescoços baldes cheios de pedras. Avistei o diretor: o balde que carregava era tão pesado, que o fio metálico cortara-lhe profundamente a pele, e ele cambaleava. Todos descalços, batiam em gongos e panelas dando a volta ao campo, ao mesmo tempo em que gritavam... "Eu sou o gângster fulano!".

Finalmente, caíram todos de joelhos, queimaram incenso e suplicaram a Mao Zedong que "fossem perdoados pelos seus crimes". Fiquei chocado com essa cena e senti-me empalidecer. Algumas moças quase desmaiaram.

Seguiram-se pancadas e torturas. Eu nunca tinha visto antes torturas como àquelas: obrigaram essas pessoas a comerem matérias das latrinas e insetos; submeteram-nas a choques elétricos; fizeram com que se ajoelhassem em cima de cacos de vidros; forçaram-nas à performance do "avião", pendurando-as pelos braços e pelas pernas.

Os primeiros a pegar nos porretes e a torturar foram os bárbaros da escola: filhos de quadros do Partido e de oficiais do exército, pertenciam às cinco classes vermelhas - categoria que compreendia igualmente os filhos de operários, de camponeses pobres e semipobres, e de mártires revolucionários. (....) Grosseiros e cruéis, eles estavam habituados a jogar com a influência dos pais e a brigar com os outros alunos. Sendo de tal modo incompetentes nos estudos, eles estavam para ser expulsos, e culpavam provavelmente os professores por este fato.

Encorajados pelos provocadores, outros alunos gritavam: "Batam neles!", e, lançando-se contra os professores, davam-lhes murros e pontapés. Os mais tímidos foram obrigados a apoia-los, gritando a plenos pulmões e erguendo o punho.

Não havia nada de estranho em tudo aquilo. Os jovens alunos eram, normalmente, calmos e bem educados, mas, dado o primeiro passo, não podiam fazer outra coisa a não ser seguir adiante (....).

O golpe mais duro, para mim, nesse dia, foi, porédm, o assassinato de meu querido professor Chen Ku-teh, aquele por quem eu tinha mais amor e respeito. (....). 

O professor Chen, que tinha 60 anos e sofria de hipertensão foi arrastado para fora ás 11h30min, exposto ao sol do verão durante mais de duas horas, e depois forçado a desfilar com os outros carregando um cartaz e batendo num gongo. Em seguida, arrastaram-no para o primeiro andar de um edifício escolar, depois novamente para baixo, batendo-lhe com os punhos e com cabos de vassoura ao longo de todo o trajeto. No primeiro andar, alguns dos agressores entraram numa sala de aula para irem buscar varas de bambu, com a quais continuaram bater-lhe. Detive-os. Suplicando:

"Não há necessidade de fazer isso! "É demais!".
O professor Chen desmaiou várias vezes, mas eles faziam-no voltar a si jogando baldes de água fria em seu rosto. Quase não conseguia mexer-se: tinha os pés cortados pelos vidros e rasgados pelos espinhos. Mas o seu espírito não fora abatido.

"Por que não me matam?"  - gritava. "Matem-me!".

Isso durou seis horas, até que ele perdeu o controle dos seus excrementos.


Os atormentadores tentaram enfiar um bastão no reto. Caiu pela última vez. Novamente jogaram-lhe água fria, mas era tarde demais. Os assassinos ficaram por um instante como que atordoados, poi era, sem dúvida, a primeira vez que espancavam um homem até à morte, tal como era, para a maior parte de nós, a primeira vez que assistíamos a semelhante cena. Começaram a fugir, uns atrás dos outros.

(....) Arrastaram o corpo de sua vítima para fora do campo, até uma cabana de madeira onde os professores costumavam jogar pingue-pongue. Aí estenderam-no em cima de um tapete de ginástica sujo e depois chamaram um médico da escola e disseram-lhe:

"Verifique cuidadosamente se ele morreu mesmo de hipertensão. Você não tem o direito de defendê-lo!".

O médico examinou-o e declarou que tinha morrido em consequência de torturas. Então, alguns o agarraram e começaram a bater nele, dizendo:

"Por que é que você respira pela mesma narina que ele? Quer acabar da mesma maneira?".

O médico acabou escrevendo na certidão de óbito: "Morte devida a um súbito ataque de hipertensão".

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